Sabemos que é comum a negativa ou limitação dos planos de saúde quanto às sessões de tratamento do transtorno do espectro autista (TEA), muito embora essa prática seja tida como abusiva na hipótese de existir expressa indicação médica. O tema já foi abordado aqui no blog. Se quiser saber mais, leia aqui.
As prescrições médicas, geralmente, recomendam tratamento multidisciplinar envolvendo terapia comportamental (método ABA ou DENVER), fonoaudiologia especializada em TEA e terapia ocupacional, por exemplo.
A recusa pelo plano de saúde, na maior parte das vezes, é fundamentada na exclusão contratual dos tratamentos – que são experimentais e não constam no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS) ou, que excedem o número de sessões anuais. Ademais, não é raro que os planos aleguem a não obrigatoriedade de custeio fora da rede credenciada e a impossibilidade de reembolso.
O assunto é relevante e gera conflito, por isso, trazemos aqui alguns julgados recentes dos tribunais que sinalizam como o Poder Judiciário vem decidindo a respeito:
Pois bem, conforme explicado em artigo anterior, predomina o posicionamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nos tribunais estaduais de que é abusiva a conduta do plano de saúde que recusa a cobertura do tratamento sob o argumento de que não está previsto na listagem da ANS, tendo em vista o caráter exemplificativo desse rol.
Defende-se que, havendo cobertura para a doença, consequentemente, haverá cobertura para o tratamento.
Entretanto, julgamento da Quarta Turma do STJ, em 10/12/2019, relatado pelo Ministro Luis Filipe Salomão, mudou o entendimento, conforme trecho a seguir destacado:
“(…) conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas (…) (STJ, REsp 1733013/PR, julgado em 10/12/2019, DJe 20/2/2020)
Dessa forma, embora exista uma nova corrente minoritária, estamos diante de uma divergência jurisprudencial entre as Turmas do STJ, o que pode colocar em risco a saúde dos consumidores e, consequentemente, o desenvolvimento físico e mental do paciente autista.
Recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo definiu que, se o plano de saúde disponibilizar clínica e profissionais para o tratamento, não haverá a obrigação de reembolsar integralmente o paciente se este, por livre escolha, optar por tratamento fora da rede credenciada. O limite para os reembolsos, neste caso, deve ser o estipulado no contrato ou aquele que seria pago ao profissional da rede credenciada.
Por outro lado, se o plano de saúde não possuir profissionais especializados na rede para a prestação do tratamento prescrito, será obrigado ao reembolso integral das sessões. (TJSP, processo 1016312-70.2019.8.26.0001, d.j. 05/07/2020).
A limitação ou interrupção do tratamento pelo plano de saúde pode acarretar regressões na comunicação e nas habilidades adaptativas e sociais já adquiridas pelo paciente autista, além de prejudicar a aquisição de novas. Nesse sentido, o STJ reconhece a ilegalidade dessa prática, inclusive para terapia ocupacional, psicoterapia e fonoaudiologia.
Além disso, o número de consultas/sessões anuais fixado pela ANS no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde deve ser considerado apenas como cobertura obrigatória mínima a ser custeada, plenamente, pela operadora de plano de saúde.
Com o escopo de preservar o equilíbrio financeiro entre as prestações e contraprestações, as decisões majoritárias do STJ entendem que o pagamento das sessões que ultrapassam o número previsto em contrato ou, em caso de inexistência de previsão, o número mínimo determinado pela ANS, deve ser suportado tanto pelo plano de saúde quanto pelo usuário.
Sendo assim, foi consignado em decisão do STJ que:
“a estipulação de coparticipação se revela necessária, porquanto, por um lado, impede a concessão de consultas indiscriminadas ou o prolongamento em demasia de tratamentos e, por outro, restabelece o equilíbrio contratual (art. 51, § 2º, do CDC), já que as sessões de psicoterapia acima do limite mínimo estipulado pela ANS não foram consideradas no cálculo atuarial do fundo mútuo do plano, o que evita a onerosidade excessiva para ambas as partes” (REsp 1659338 – SP, d.j. 15/06/2020).
Para tanto, os julgados têm fixado a adoção da coparticipação para consultas excedentes ao número previsto em contrato ou, em caso de inexistência de previsão, o número mínimo determinado pela ANS, sendo que o percentual não poderá exceder 50% do valor contratado.
Concluindo, a solicitação de tratamento ao plano de saúde deve ser embasada em laudo médico que justifique, detalhadamente:
No caso de consequente negativa expressa do plano de saúde, é importante consultar um advogado especialista para analisar as particularidades do caso e a possibilidade de fazer valer os direitos do paciente judicialmente, com base na experiência jurídica e no atualizado posicionamento do nosso Judiciário.